quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Pra começar...


“Porque eu fazia do amor um cálculo matemático errado: pensava que, somando as compreensões, eu amava. Não sabia que, somando as incompreensões é que se ama verdadeiramente. Porque eu, só por ter tido carinho, pensei que amar é fácil.”

Clarice Lispector


Às vezes não entendemos porque certas coisas acontecem na nossa vida. Por que os amores se vão e por que as lembranças boas ficam. As lembranças ficam por uma escolha unilateral, e por vezes os amores se vão também unilateralmente. E é aí que temos que enfrentar nossa natureza - que sempre busca uma explicação racional para tudo – e entendermos que por vezes a decisão de quem vai não tem por base algo que logicamente a explique. Simplesmente aconteceu.

Sim, aconteceu. E não foi porque você é alto, baixo, loiro, rico, húngaro ou porque você tem ascendente em capricórnio. Apenas aconteceu de não mais fluir o sentimento do seu companheiro. Mas então você levanta da cadeira que você está aí e grita pra esse post: “Mas eu fiz tudo pela pessoa, eu fiz meu melhor, eu era sempre compreensivo...” BEEEHHHHH (sim, isso é uma onomatopeia pra uma luz vermelha acendendo). No excerto da Clarice Lispector que abre esse post ela deixa claro que o amor, quando o entendemos, não se revela em sua totalidade nos momentos em que estamos com nosso relacionamento sem arestas, com tudo esclarecido. As arestas surgem diariamente e assim irão continuar a aparecer enquanto o “eterno enquanto dure” durar. E é aí que compreendemos o amor de verdade, aquele como a soma das incompreensões, das diferentes ideias, dos distintos comportamentos... Isso é que fará com que você e a pessoa que estiver ao seu lado cresçam em cumplicidade, em sentimento, e em admiração mútua, pois irão notar que há um esforço comum para que as diferenças sejam enfrentadas e, acima de tudo, respeitadas.

Esse respeito pela diferença - que fará com que não exista o momento do “eu fiz de tudo, mas mesmo assim ela se foi sem motivo” – é resultante de duas atitudes principais: a) nunca tenha medo de se posicionar contrariamente ao que o outro pensa; b) busque dirimir os conflitos de convicções de modo que o respeito possa imperar nessa decisão.
Analisaremos uma a uma:

A) nunca tenha medo de se posicionar contrariamente ao que o outro pensa;

Este primeiro caso implica em aceitar 2 pressupostos que certamente irão tornar sua vida amorosa mais fácil:
 
1. A outra pessoa não é sua metade. Ela é uma pessoa inteira, completa, com vontades próprias, opiniões, sentimentos, cansaços, reações, e ABSOLUTAMENTE diferente de você. Aceite: por mais que vocês passem horas ouvindo Beatles e comentando sobre a transmodernidade do sujeito diante da ignorância intrínseca do pensamento medieval, por mais que vocês concordem que sorvete com batata frita é algo divino, por mais que ela te acompanhe nas aulas de ballet e você assista UFC com ela (não tem nada errado nessa frase, você que é preconceituoso), vocês são pessoas diferentes. E sentirão vontades diferentes em momentos diferentes. É impressionante como conseguimos ouvir que um amigo não está com vontade de sair em determinado dia, mas temos uma barreira interna para ouvir isso de nossos companheiros. Parece que se ouvirmos a frase “ah, hoje não estou com vontade de sair de casa”, ou “hoje queria ficar sozinho”, e pior “hoje queria sair só com meus amigos/amigas” nosso cérebro interpreta como um “eu odeio você, estou de saco cheio, por favor, me dê um tempo.” Sério, acredite quando te digo: NÃO É ISSO.
  
2. Entenda a diferença crucial que existe entre o outro fazer ALGO ERRADO, e fazer ALGO QUE VOCÊ NÃO QUER QUE O OUTRO FAÇA. Relacionamentos não são feitos para ter alguém do seu lado fazendo todos os seus gostos o tempo todo, amar não é mimar, e se seus pais não te ensinaram isso você deve ser um completo idiota.

Se você consegue aceitar estas duas coisas, o ponto A fica realmente fácil! Porque, somando estas duas idéias surge a atitude que deve sempre existir em todas as relações amorosas, profissionais, familiares, conjugais, paternais, fraternais, sociais, em todo o universo: Saiba dizer, mas principalmente SAIBA OUVIR, a frase “não, eu não concordo com isso”, onde o “concordo com” pode ser substituído livremente por “quero fazer”.

É claro que essa discordância vai implicar num desconforto, mas são esses momentos desconfortáveis que nos fazem aparar arestas, e isso é o que há de mais importante na manutenção de um relacionamento.

Eventualmente, se posicionar contra as opiniões/ vontades do outro, pode degenerar em bate boca, e é aí que entra o segundo ponto.

B) busque dirimir os conflitos de convicções de modo que o respeito possa imperar nessa decisão.

Se você não é o Mogli, certamente sabe o que é ter uma família humana. E se essa sua família respeita padrões mínimos de normalidade, vocês certamente já discutiram muito nessa vida, simplesmente porque com nossas famílias os pressupostos 1 e 2 parecem mais do que óbvios. Agora pare pra pensar, que, salvo casos trágicos, as discussões de família não diminuem o amor e o respeito entre os membros, pelo contrário, muitas vezes facilita muito a convivência. Discussões de casais devem partir dessa mesma certeza, de que se o relacionamento vai se abalar por existir um ponto de discordância, ele provavelmente não iria longe mesmo, então NÃO SE REPRIMA defenda seus pontos, faça suas vontades!

É muito importante notar que, assim como nas discussões familiares, nenhuma das partes pode entrar tentando “ganhar”, adotando uma posição de completa falta de maleabilidade. A idéia é colocar pontos divergentes, e chegar num comum acordo, vamos ao exemplo prático:

Se você gosta muito de comer Rollmops, e seu namorado odeia porque acha nojento, devemos, antes de tudo, dar um ponto de credibilidade para ele, porque é realmente muito nojento. Mas enfim, não é sobre isso que estamos falando, vocês podem, ao invés de brigar para sempre por causa disso, concordar que você só irá comer Rollmops quando ele estiver ausente. Ele aceita que você gosta, e que não tem sentido ele tentar controlar tua atitude só porque ele não gosta daquilo – lembra do pressuposto 2? Comer Rollmops não é errado, deveria ser, mas não é – e você não precisa também ser orgulhosa e falar “comomerrmo” e se entupir da iguaria todos os dias. Simples como um abraço!

Claro que tudo isso é resultado de uma análise completamente racional do funcionamento de uma relação, e como já foi dito no começo, a soma destes fatores não garante produto positivo. Temos que entender que nesse tal de coração que as pessoas carregam a razão nem sempre manda. Quando chegar o dia em que a razão perder o domínio do nosso também, possivelmente entenderemos o que se passou na mente insana daqueles que ousaram agir contra nossa vontade e massacraram nossos sentimentos.